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Se algum dia você se perguntou como soa o som de uma banda em declínio, ouça a cover dos Guns N’ Roses de ‘Sympathy for the Devil’”, escreve Slash na sua autobiografia homónima (Ediouro, 2008).

Em 1994, os Guns N’ Roses enfrentavam uma crise profunda. Incapaz de se reunir para gravar um novo álbum, a banda caminhava, lenta mas inevitavelmente, para o colapso.

O vocalista Axl Rose permanecia recluso em sua propriedade em Malibu, saindo apenas para compromissos legais e, no que seria a sua última aparição pública em seis anos, para voar até Nova York e prestigiar a entrada de Elton John no Rock and Roll Hall of Fame. Naquela noite, Axl subiu ao palco no final da celebração para cantar “Come Together”, dos Beatles, ao lado de Bruce Springsteen.    

Enquanto isso, o baixista Duff McKagan enfrentava uma batalha pela vida. Em abril, o seu pâncreas estourou devido ao abuso de drogas e álcool, causando queimaduras de terceiro grau no seu sistema interno por conta das enzimas digestivas libertadas pelo órgão danificado.

Duff retirou-se para Seattle para se recuperar, começou a fazer exercício e passou a treinar com um mestre de artes marciais. Quando voltou a Los Angeles, estava irreconhecível — um homem transformado.
Só que em junho a situação realmente desmoronou.

“É a banda do Axl”
Ninguém fez muito alarde quando um rapaz pouco conhecido de Los Angeles, que integrou a banda Kill for Thrills, chamado Gilby Clarke, substituiu o guitarrista fundador Izzy Stradlin nos Guns N’ Roses para cumprir os compromissos restantes da extensa “Use Your Illusion Tour” em novembro de 1991. Da mesma forma, a imprensa não deu muita atenção à sua demissão, que, segundo o autor Paul Stenning, teria ocorrido em junho de 1994.

Há relatos de que Gilby teria sido demitido e recontratado três vezes no semestre inicial daquele ano. Neste período, ele gravou o seu primeiro álbum solo, “Pawnshop Guitars”, que contou com participações dos colegas Axl Rose, Slash, Duff McKagan, o baterista Matt Sorum e o teclista Dizzy Reed, além de outros convidados.

Em entrevista ao Songfacts, Clarke apresenta uma linha do tempo diferente. O músico afirma que ainda era membro do grupo em 1994, quando os seus colegas optaram por regravar “Sympathy for the Devil” enquanto ele estava em turné a solo. De acordo com a revista Raw, o guitarrista não foi demitido: seu contrato venceria em 1995 e não houve renovação.

Facto é que, em sua autobiografia homónima (Ediouro, 2008), Slash conta que Axl despediu Gilby sem consultar ninguém. “Sua argumentação: Gilby sempre fora um ‘funcionário’ contratado e não conseguia compor com ele”, escreve o guitarrista.

Hoje, sabe-se que o motivo que levou Clarke a ser despedido foi uma entrevista que este concedeu à Kerrang! em ocasião do lançamento de “Pawnshop Guitars”. Perguntado sobre em que pé estava o novo álbum do Guns N’ Roses, ele respondeu:

Não há um ‘novo álbum’! Pelo menos por enquanto. Começamos a trabalhar num álbum e ele foi engavetado. Ele [Axl] simplesmente não curtiu o que [Slash, Matt e eu] estávamos fazendo (…) Meio que nos deu um balde de água fria. Então, por ora, não vamos fazer nada. É a banda do Axl, e ele a comanda do jeito que quer. E o que ele quiser fazer vai acontecer. Então podemos trabalhar o ano todo e chegar a 20 músicas novas, mas quando chegar a hora, se Axl escrever 10 músicas, ele vai dizer: ‘Eu quero minhas 10 músicas no disco’. E é isso que vai acontecer. Então, por mais que trabalhemos [em novas músicas], isso não significa nada, porque elas podem nunca chegar a lugar nenhum.

Rose, evidentemente, ficou furioso com o que leu. Mas o próprio Slash confirma em seu livro: “[a] um dado momento, mostrei o material a Axl, que não disfarçou um nítido desinteresse por ele”.

O guitarrista tinha bons motivos para passar os primeiros meses de 1994 compondo. Afinal, a Geffen havia oferecido aos Guns um adiantamento estimado em 10 milhões de dólares para o próximo álbum. Frustrado, Slash recolheu as músicas e começou a trabalhar no que se tornou, na prática, o seu primeiro álbum a solo. Creditado à banda Slash’s Snakepit, “It’s Five O’Clock Somewhere” foi lançado em 1995.

“Algo que apenas Axl queria fazer”
Foi ideia do A&R da Geffen, Tom Zutaut, os Guns N’ Roses regravarem “Sympathy for the Devil”, clássico dos Rolling Stones, para a banda sonora de “Entrevista com o Vampiro”. Prevendo que a adaptação do romance de Anne Rice seria um grande sucesso de bilheteria, seria também oportuno oferecer algo novo ao público, Slash concordou com a proposta. “Não tínhamos planos de começar a compor um álbum novo; talvez aquele fosse o nosso único lançamento por um bom tempo”, reconhece.

Porém, tudo mudou quando ele assistiu ao filme. O guitarrista relembra:  “Eu odiei, achei uma merda (…) Axl, por outro lado, adorou. Ele achou brilhante e queria fazer a cover. Eu não poderia ter me sentido mais desapontado, fulo, frustrado e confuso. O único ponto positivo naquele acordo era que ele nos obrigaria a fazer algo que não conseguíamos há sete meses: reunir todos no estúdio.” 

Entretanto, durante todo o processo, desde as gravações básicas até à mixagem final, Axl não deu caras. Para Slash, aquele comportamento elevou o nível de amargura e ressentimento ao máximo.

“Duff, Matt e eu aparecíamos juntos, basicamente deixando tudo de lado para fazer algo que apenas Axl queria fazer. Ainda assim, ele nem sequer apareceu uma única vez nas sessões. Já estávamos gravando contra a nossa vontade, então o descaso dele resultou numa faixa instrumental completamente sem inspiração. Para piorar, depois que terminamos a nossa versão mediana de ‘Sympathy for the Devil’, ele levou mais de uma semana para gravar a voz.” 

E os problemas não pararam por aí. Slash recorda: “Quando, enfim, ouviu a faixa instrumental, Axl fez várias críticas. Fui informado de que precisava regravar o meu solo de guitarra para soar mais parecido com o original do Keith Richards. Aquilo me tirou do sério. Minha reação inicial, claro, foi dizer ‘não’. A resposta de Axl, enviada por intermediários, foi: ‘Se você não mudar a sua parte, não vou cantar’. Engoli meu orgulho — mais uma vez — e gravei uma introdução mais parecida com a do Keith. Fazer isso me deixou ainda mais fulo e stressado do que nunca.” 

Quando soube que Axl finalmente tinha marcado um horário para gravar a voz, Slash decidiu ir ao estúdio para encontrá-lo. No entanto, o vocalista chegou com três horas de atraso e nem sequer olhou nos olhos do guitarrista. Incapaz de suportar tamanha indiferença, Slash pegou nas suas coisas e foi embora.

Mais tarde, ao ouvir a versão final da música, Slash descobriu que, além da voz de Axl, também havia sido incluídas gravações de guitarra de Paul Huge. Aquilo foi a gota de água. 

“Outro guitarrista gravando por cima da minha música sem sequer me avisarem foi um desrespeito que eu não podia tolerar. Lavei minhas mãos em relação àquela música e, naquele momento, também ao Guns.”

Um não-hit no “Greatest Hits”
“Sympathy for the Devil” viu a luz do dia ainda em 1994, na banda sonora de “Entrevista com o Vampiro”, lançada em CD e K7. O single promocional veio acompanhado de “Escape to Paris”, uma das peças instrumentais compostas por Elliot Goldenthal para o filme, um sucesso de bilheteria que arrecadou US$ 37 milhões. 

Dez anos depois, a cover, apesar de não ter sido um hit por si só, foi inserido na coletânea “Greatest Hits”, que vendeu impressionantes 3 milhões de cópias apenas nos Estados Unidos e permaneceu na Billboard 200 por 138 semanas. A compilação tornou-se o segundo álbum da banda a passar mais tempo nas paradas americanas, ficando atrás apenas de “Appetite for Destruction”. 

Ainda assim, todo o sucesso posterior não foi suficiente para mudar a opinião de Slash:  “Se há uma faixa do Guns que eu nunca mais gostaria de ouvir, é essa.”

Insatisfeito, o guitarrista deixou os Guns N’ Roses em 1996 após ter um ultimato — “ou ele [Paul Tobias], ou eu” — ignorado. Matt Sorum foi demitido no primeiro semestre de 1997, após uma zanga também devido à presença de “Huge”. Meses depois, Duff McKagan pediu as contas. Se por um lado não é justo culpar somente o amigo de infância de Axl Rose, é inegável o “empurrãozinho” dado por ele.